A discussão sobre o licenciamento ambiental no Brasil ganhou novos contornos com a recente aprovação do Projeto de Lei (PL) n° 2159/2021, que propõe instituir a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. A nova legislação busca preencher uma lacuna jurídica existente desde a promulgação do Art. 225 da Constituição Federal, ao regulamentar de forma mais clara os procedimentos, prazos, instrumentos e tipos de licença aplicáveis no país.
Mas o que muda na prática? A seguir, explicamos os principais pontos do PL, suas inovações e possíveis implicações para o processo de licenciamento ambiental no Brasil.
Contexto: O Licenciamento Ambiental Antes do PL 2159/2021
Mesmo antes da Constituição de 1988, a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) já previa o licenciamento como instrumento fundamental para a proteção ambiental. A Constituição reforçou essa diretriz, exigindo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para atividades potencialmente degradadoras.
Contudo, nunca foi aprovada uma lei federal que regulamentasse integralmente o inciso IV do art. 225, levando os processos de licenciamento a se basearem principalmente em:
- Resoluções do CONAMA
- A Lei Complementar nº 140/2011
- Normativas técnicas dos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA)
- Legislações estaduais e municipais
Com o novo projeto de lei, busca-se unificar e sistematizar essas referências em um texto legal único.
Novos Tipos de Licença Ambiental: LAC, LAU e LAE
Atualmente, os três tipos de licença federalmente reconhecidos são:
- Licença Prévia (LP): concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação
- Licença de Instalação (LI): autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante;
- Licença de Operação (LO): autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.
O PL 2159/2021 propõe a inclusão de três novas modalidades:
Licença por Adesão e Compromisso (LAC)
Indicada para empreendimentos de baixo impacto, que não causem significativa degradação ambiental e que estejam previamente mapeados quanto aos seus riscos e medidas de controle. A LAC exige que não haja supressão de vegetação nativa e que o empreendedor cumpra condicionantes.
Exemplo: Em MG, esse modelo já existe com o nome de Licença Ambiental Simplificada por Cadastro (Las Cadastro).
Licença Ambiental Única (LAU)
Consolida em um único procedimento as fases de LP, LI e LO. Já é aplicada em estados como Goiás sob o mesmo nome, LAU, e em Minas Gerais como Licença Ambiental Concomitante (LAC 1).
Licença Ambiental Especial (LAE)
Destinada a empreendimentos considerados estratégicos. É emitida por procedimento especial, deve ter análise prioritária e poderá ser emitida em única fase.
Renovação Automática: Menos Burocracia para Empreendimentos Menores
Um dos pontos trazidos é a possibilidade de renovação automática de licenças para atividades de baixo ou médio potencial poluidor e pequeno ou médio porte.
A renovação poderá ser feita por declaração eletrônica, desde que:
- A atividade não tenha sofrido alterações significativas
- As condicionantes ambientais tenham sido cumpridas
- A legislação ambiental aplicável não tenha mudado
Saneamento Básico: Agilidade para Ampliação de Acesso
O PL prevê prioridade e simplificação do licenciamento de obras de saneamento básico, com o objetivo de ampliar o acesso da população à água tratada e esgotamento sanitário.
Contudo, o texto ressalva que nada impede a exigência de EIA/RIMA, caso haja justificativa técnica, como por exemplo:
- Localização sensível do projeto
- Risco de impacto ambiental relevante




Participação de Órgãos Intervenientes: Mais Clareza e Prazos
Atualmente, a participação de órgãos como ICMBio, FUNAI e IPHAN pode gerar atrasos significativos no licenciamento. O PL busca resolver isso com as seguintes medidas:
- Prazo de 30 dias para manifestação dos órgãos intervenientes
- Silêncio como concordância: caso não haja resposta, o processo é continuado
Além disso, o PL atualiza os critérios de participação, inclusive distâncias mínimas para considerar impacto em comunidades tradicionais e inclui novos empreendimentospara análisecomo parques eólicos, empreendimentos cada vez mais comuns visto a corrida para a transição energética.
Prazos Delimitados: Fim da Incerteza?
O PL estabelece prazos máximos para análise das licenças, o que pode reduzir drasticamente a morosidade dos processos:
Tipo de Licença | Prazo Máximo |
LP com EIA | 10 meses |
LP sem EIA | 6 meses |
LI, LO, LAU | 3 meses |
Procedimento bifásico sem EIA | 4 meses |
Pontos Polêmicos: Revogação de Artigos Ambientais Importantes
O PL também propõe revogar dispositivos legais de proteção ambiental:
- §2º do art. 6º da Lei nº 7.661/1988
Exigia EIA/RIMA para intervenções que alterem as características naturais de Zonas Costeiras - §§ 1º e 2º do art. 14 da Lei nº 11.428/2006
Reforçavam a necessidade de autorização expressa para supressão de vegetação nativa no bioma Mata Atlântica
A retirada dessas exigências é vista com preocupação por parte de ambientalistas.
Próximos Passos: Quando o PL 2159/2021 Entra em Vigor?




Com a aprovação do Projeto de Lei 2159/2021 pelo Congresso Nacional, o texto segue agora para sanção presidencial. O Presidente da República pode:
- Sancionar integralmente o projeto, transformando-o em lei;
- Vetá-lo total ou parcialmente, por razões jurídicas (inconstitucionalidade) ou políticas;
- Vetar artigos específicos, mantendo o restante do texto.
Caso haja vetos, o Congresso ainda poderá analisá-los e derrubá-los em nova votação, com maioria absoluta dos votos (41 senadores e 257 deputados).
Uma vez sancionada e publicada no Diário Oficial da União, a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental passará a valer em todo o território nacional, podendo:
- Exigir regulamentações complementares por parte de ministérios ou órgãos ambientais;
- Ser incorporada progressivamente pelos estados e municípios, conforme suas competências definidas pela Lei Complementar 140/2011;
- Demandar adequações por parte dos órgãos licenciadores, empreendedores e consultores ambientais.
Especialistas alertam que a forma como essa implementação ocorrerá — e a rapidez com que será feita — influenciará diretamente nos resultados esperados: mais segurança jurídica e eficiência, sem prejuízo à proteção ambiental.